A confiança é uma firme esperança
Com
a concisão que traz o cunho de seu gênio, definia São Tomás a confiança: “Uma
esperança fortalecida por sólida convicção”. Palavra profunda que não faremos
senão comentar nesta primeira parte.
Pensemos
atentamente os termos que emprega o Doutor Angélico: “A confiança, diz ele, é
uma esperança”. Não uma esperança
ordinária, comum a todos os fieis; no qualificativo preciso a distingue: é
“uma esperança fortalecida”. Notai bem, no entanto: não há diferença de
natureza, mas somente de grau de intensidade.
Os
albores incertos da aurora, tal como o esplendor do sol no zênite, fazem parte
do mesmo dia… Assim a confiança e a esperança pertencem à mesma virtude: uma é,
apenas, o desabrochar completo da outra.
A
esperança comum perde-se pelo desespero; pode tolerar, no entanto, certa
inquietação…
Quando,
porém, atinge esta perfeição que faz trocar seu nome pelo nome de “Confiança”,
torna-se-lhe, então, mais delicada a susceptibilidade. Não suporta mais a
hesitação, por leve que se imagine. A menor duvida a rebaixaria e a faria
voltar ao nível da simples esperança.
O Profeta Real escolhia exatamente as expressões quando chamava a
confiança: “uma superesperança”. Trata-se realmente aqui de uma virtude levada
ao máximo de intensidade.
E
o Padre Saint-Jure, autor espiritual dos mais estimados do século XVII, via
justamente nela uma esperança “extraordinária e heroica”.
Não é, pois, a
confiança flor banal. Cresce nos cumes, e não se deixa colher senão pelos
generosos.
Ela é fortalecida pela
fé
-
Levemos mais longe este estudo.
Que
força soberana fortifica a esperança a ponto de torná-la inabalável aos
assaltos da adversidade?… A fé!
A alma confiante guarda na memória as promessas do Pai celeste;
mediata-as profundamente. Sabe que Deus não pode faltar à palavra, e daí a sua
imperturbável certeza.
Se
o perigo a ameaça, a envolve, a domina mesmo, ela conserva sempre a serenidade.
Apesar da iminência do risco, repete a palavra do Salmista: “O Senhor é minha
luz e a minha salvação… que posso recear? O Senhor protege a minha vida… Quem
me fará tremer…?”.
Existem
entre a fé e a confiança relações estreitas, laços íntimos de parentesco.
Empregando a expressão de um teólogo moderno, deve-se achar na fé: “a causa e a
raiz” da confiança.
Ora,
quanto mais se afunda a raiz na terra, mais seiva nutriente dela tira; mais
vigorosa crescerá a haste; mais opulenta será a floração. Assim, a nossa
confiança desenvolve-se na medida em que se aprofunda em nós a fé.
Os
Livros Santos reconhecem a relação que une essas duas virtudes. Não são
designadas pelo mesmo vocábulo “fides”, uma e outra, sob a pena dos escritores
sagrados?
A
confiança é inabalável
As
considerações precedentes terão parecido, talvez, por demais abstratas. Era
necessário, no entanto, que nelas nos firmássemos: delas deduziremos as
qualidades da verdadeira confiança.
A
confiança, escreve o Padre Saint-Jure, é “firme, estável e constante em grau
tão eminente, que nada no mundo pode, já não digo derrubá-la, mas abalá-la
sequer”.
Imaginai as extremidades mais angustiosas de ordem temporal, as
dificuldades insuperáveis, em aparência, de ordem espiritual: nada disso
alterará a paz da alma confiante…
Catástrofes
imprevistas poderão amontoar em torno delas as ruínas da sua felicidade; essa
alma, mais senhora de si que o sábio antigo, continuará calma: “Impavidum
ferient ruinae”.
Voltar-se-á
simplesmente para Nosso Senhor; n’Ele se apoiará com certeza tanto maior quanto
mais privada se sente de auxílio humano. Rezará com ardor mais vibrante, e, nas
trevas da provação, prosseguirá o seu caminho, esperando em silêncio a hora de
Deus.
Uma
confiança assim é rara, sem dúvida; mas se não atinge esse mínimo de perfeição,
não merece, então, o nome de confiança.
De
resto, encontram-se exemplos sublimes dessa virtude nas Escrituras e na vida
dos Santos. Ferido na fortuna, na família e na própria carne, Jó reduzido à
última indigência, jazia no seu monturo. Os amigos, sua mulher mesmo,
aumentavam-lhe a dor pela crueldade das suas palavras.
Ele, no entanto, não se deixava abater; nenhuma murmuração se
mesclava aos seus gemidos. Sustentavam-no os pensamentos da fé. “Quando mesmo o
Senhor me tirasse a vida, dizia, ainda assim esperaria n’Ele!”.
Confiança
admirável e que Deus recompensou magnificamente. A provação cessou: Jó
recuperou a saúde, ganhou de novo fortuna considerável, e teve uma existência
mais próspera do que antes.
Numa
das suas viagens, São Martinho caiu nas mãos de salteadores. Os bandidos os
despojaram; iam trucidá-lo, quando, de repente, tocados pela graça do
arrependimento ou levados por um pavor misterioso, o libertaram e o soltaram,
contra toda a expectativa.
Perguntou-se mais tarde ao ilustre Bispo se, nesse risco premente,
não teria sentido algum medo. “Nenhum, respondeu, eu sabia que a intervenção
divina era tanto mais certa quanto mais improváveis os socorros humanos”.
A
maioria dos cristãos não imita, infelizmente, exemplos destes. Nunca se aproximam tão pouco de Deus como no
tempo da provação.
Muitos
não dão esse grito de socorro que Deus espera para lhes vir em auxílio. Funesta
negligência! – “A Providência, dizia Luís de Granada, quer dar solução, ela
mesma, às dificuldades extraordinárias da vida, quanto que deixa às causas
segundas o cuidado de resolver as dificuldades ordinárias”.
Mas é preciso reclamar o auxílio divino. Essa ajuda, Deus no-la dá
com prazer. “Longe de ser incômoda à alma de quem suga o leite, a criança, pelo
contrário, lhe traz alívio”.
Outros
cristãos, nas horas difíceis, rezam com fervor, mas sem constância. Se não são
atendidos logo, logo, caem de uma esperança exaltada num abatimento desarrazoado.
Não conhecem os caminhos da graça.
Deus nos trata como crianças: faz-Se de surdo às vezes, pelo prazer
que sente ao ouvir-nos invocá-Lo… Por que desanimar tão depressa, quando
conviria ao contrário, rogar com maior insistência…?
É
esta a doutrina ensinada por São Francisco de Sales: “A
Providência só adia o seu socorro para provocar a nossa confiança”.
“Se
nosso Pai celeste não concede sempre o que pedimos, é para nos reter a seus pés
e nos dar ocasião de insistir com amorosa violência junto d’Ele, como
claramente mostrou aos dois discípulos de Emaús, com os quais só Se deteve ao
fim do dia, e assim mesmo por eles forçado.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário