Efervesce – e
preocupa – a, cada vez mais, polêmica e acirrada discussão sobre a liberdade de
Imprensa no Brasil, que, a semelhança do que ocorre em outros países, ao
valer-se do eufemismo “controle”, tenta dissimular o que de fato está por trás
do debate: o intuito de produzir-se, aos auspícios da Lei, a censura prévia.
Censurar a
Imprensa não é propriamente uma novidade no nosso país. O governo Militar, a
propósito da “Segurança Nacional”, aprovou em 09.02.1967 a “Lei de Imprensa”
(Lei N° 5.250), que vigorou até bem recentemente, quando em 30.04.2009, o
Supremo Tribunal Federal finalmente a revogou, após proposição do então
Deputado Federal Miro Teixeira, o qual arguiu acerca do descumprimento dos
preceitos fundamentais da nossa Constituição por parte da referida legislação,
o que culminou no julgamento da sua inconstitucionalidade.
Há alguns aspectos gerais nesse
debate: é de se destacar, por exemplo, que ele vem sendo pauta diferenciada de
governos caráter populista (Venezuela, Argentina, Brasil e, mais recentemente,
Equador são exemplos da adoção dessa pauta); que, invariavelmente, o argumento
utilizado por todos os que querem “controlar” a Imprensa é a densa concentração
dos veículos de comunicação em pequenos grupos – às vezes, famílias – de
proprietários; que, por isto mesmo, os veículos de comunicação têm sido
instrumento da defesa dos interesses desses “grupos” e não do interesse
público; etc. Mas, os aspectos particulares – atinentes ao Brasil – são os mais
bizarros!
Principalmente por ter se
livrado tão recentemente de uma Lei que “controlava” a Imprensa é que o Brasil
se faz num ótimo observatório para este tema.
Não é interessante que um
instrumento (a Imprensa) se afigure igualmente ofensivo à “direita” e à
“esquerda”? ...Pois, não deveria ser. Karl Marx, o filósofo alemão que, entre
outras “virações”, labutou como jornalista na Alemanha e na Inglaterra – e,
obviamente, foi processado devido aos seus escritos jornalísticos – enquanto se
defendia no Tribunal de Colônia, num dos processos que sofreu, sentenciou no
final do seu discurso/depoimento: “O primeiro dever da imprensa, portanto, é
minar todas as bases do sistema político existente”.
Curiosamente, ou não, o
pronunciamento de Marx foi publicado no jornal no qual ele trabalhava como
editor, o “Neue Rheinische Zeitung”, com o seguinte título: “O papel da
Imprensa como crítica de funcionários governantes”. A curiosidade está, prezada
leitora, na alvissareira atualidade desse título: não parece que só ele é
necessário para entendermos o porquê das perseguições a Julian Assange
(wikiLeakis) e à blogueira cubana, Yaoni Sánches? Mais curioso ainda é que,
devido às esquisitas peculiaridades do Brasil, encontraremos quem, com a mesma
ênfase, defenda um e ataque a outra!
Os textos de Marx sobre
liberdade de Imprensa foram compendiados e publicados no Brasil com o título
“Liberdade de Imprensa”, pela editora L&PM Pocket, em 2006. No decorrer dos
discursos, Marx defende que, enquanto conceito, a liberdade não pode ser
fragmentada em categorias; e vai além quando sentencia: “Ninguém luta contra a
liberdade; no máximo, luta-se contra a liberdade dos outros. Por isto, todos os
tipos de liberdade existiram sempre, às vezes como prerrogativa particular,
outras como um direito geral.”
Mas, não é essa mesma a
transcendência do discurso sobre o “controle” da Imprensa no Brasil quando o
Governo brasileiro (e também o venezuelano, o argentino, o equatoriano) ao
invés de procurar aprofundar a Liberdade de Imprensa, procura “controlar” tal
liberdade? Explico: se o interesse governamental não é a censura, não é “lutar
contra a liberdade dos outros”, por que então, ao invés de controlar, não
incentivar a prática? Se o problema é que, os anos e anos de “governos
comprometidos com as elites” produziram uma Imprensa consequentemente
comprometida com a elite, por que, então, não incentivar as imprensas de
classe, de bairro, de clubes, etc.?
Não seria, de fato, um ambiente
de liberdade de expressão aquele no qual, no domingo de manhã, estivesse
disponível nas bancas de todas as cidades, ao lado da Revista Veja, da Carta
Capital, do Jornal O Globo, da Folha de São Paulo...; o Jornal do Sindicato dos
Bancários, do Sindicato dos Professores, dos Policias, dos Estudantes, dos
Católicos, dos Evangélicos, dos Terreiros de Candomblé, dos Músicos, dos
Poetas, desse e daquele Bairro... de todos os que efetivamente tivessem
notícias e pontos de vista a apresentar?; que o leitor, ao se deparar com uma
análise econômica na Revista “Tal” pudesse pedir ao jornaleiro um exemplar do
Jornal ou da Revista do Sindicato dos Economistas, para saber a opinião dos
profissionais da área sobre o assunto?
Porem, no Brasil a restrição tem
sido sempre a primeira via para a “solução” dos problemas sociais... E isto é
tão emblemático que encontramos, sob forma de paradoxo, a negação da negação
como expressão máxima da luta pela liberdade nos anos de mobilização pela
democracia: “É proibido proibir!”
Mais uma vez, a peculiaridade
do Brasil faz com que invertamos, inclusive, o fluxo do interesse social e, ao
invés de pautarmos o governo, assumimos como nossa a sua pauta e, deste modo,
quando deveríamos pugnar por liberdade de expressão e informação, nos
concentramos em reverberar o apelo governamental em calar os veículos de
Imprensa; aliás, eu escrevi “calar”, mas pode-se ler controlar, se for mais
palatável...
O fato é que,
ao invés de lutarmos para a ampliação dos espaços de informação, como, por
exemplo, pela regulamentação das rádios comunitárias, nas quais ouviríamos as
notícias específicas do nosso bairro; invés de lutarmos pela regulamentação das
TVs comunitárias, nas quais, os sindicatos poderiam utilizar como canais de
divulgação de suas lutas... fazemos coro para que se controle a Rede Globo, se
feche a Revista Veja ou se processe o editor da Folha de São Paulo!... E assim,
materializa-se a sentença marxista: lutamos contra a liberdade dos outros! Ao
invés de lutarmos pela ampliação da nossa própria, eu tomo a liberdade de
acrescentar.
Por Breno Rocha