segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Insetos: ajudando a desvendar homicídios


- Vocês acharam o corpo em uma floresta?


- Não. Em um descampado.

- O homicídio não ocorreu lá. Tudo indica que foi dentro de uma mata fechada.

O biólogo José Roberto Pujol Luz, da Universidade de Brasília (UnB), fornecia uma informação importante para os peritos. Ele não precisou examinar o corpo. Bastaram algumas larvas obtidas do cadáver. Pujol pertence ao restrito grupo de brasileiros que se dedicam à entomologia forense - ciência dos insetos aplicada à solução de crimes.

Um assassino, no interior de Minas Gerais, arrancara dedos, dentes, olhos, orelhas e nariz do cadáver. Sem conseguir identificar a vítima, os policiais utilizaram a pista de Pujol para procurar o criminoso nas cidades vizinhas: as larvas pertenciam a espécies da mata e não havia florestas no município onde o corpo foi encontrado.

Post-mortem. "As larvas de moscas já têm 2 centímetros", observa Watson. "Isso significa que a morte ocorreu há 10 ou 12 horas." No filme Sherlock Holmes, de 2009, o amigo do famoso detetive exemplificou o principal uso da entomologia forense: a estimativa do intervalo decorrido entre a morte e a descoberta do corpo - uma variável conhecida como intervalo post-mortem.

"Os insetos funcionam como um cronômetro", aponta Arício Linhares, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considerado o iniciador da entomologia forense no País.

Graças ao seu aguçado olfato, as primeiras moscas chegam poucos minutos após a morte. Normalmente, depositam os ovos em locais protegidos, como os ouvidos, o nariz ou a boca. O tempo de desenvolvimento das larvas depende da espécie do inseto e da temperatura.

Depois de 72 horas, as previsões para intervalo post-mortem obtidas por critérios médico-legais se tornam muito imprecisas. É quando a entomologia forense surge como uma alternativa interessante.

Janyra Oliveira da Costa, do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, no Rio, recorda quando foi chamada para periciar um homem enforcado. Apesar do rosto desfigurado, o corpo apresentava um estado incomum de conservação.

Confusos, os legistas apostavam em uma morte recente. Ao investigar os insetos, Janyra percebeu o erro. As larvas mais velhas, aquelas que os peritos criminais procuram em primeiro lugar, testemunhavam uma morte ocorrida há semanas.

Linhares lembra o caso de uma garota encontrada morta em um canavial no interior de São Paulo. O cadáver já não permitia uma estimativa precisa do momento do crime. O médico-legista arriscou que o crime havia acontecido no fim de semana anterior. O palpite inocentava o namorado da vítima, que possuía um álibi para o período.

A equipe da Unicamp contestou: os insetos mostravam que o crime ocorrera dias depois, durante a semana. "Devolvemos o namorado à cena do crime", afirma o pesquisador. O rapaz acabou confessando o assassinato.

Linhares procura funções matemáticas que permitam, com base na espécie, na temperatura ambiente e no peso das larvas, determinar sua idade.

Pupas. Claudio Von Zuben, da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), em Rio Claro, também recorre à matemática para encontrar protocolos que facilitem a vida dos peritos.

No fim do período larval, os insetos costumam deixar o cadáver e procurar o solo, onde se enterram, transformando-se em pupas. Só depois emergem como formas adultas e aladas. As pupas são importantes para a perícia, pois costumam ser mais velhas que as larvas e, por isso, oferecem uma estimativa mais precisa do intervalo post-mortem.

"Não faz sentido o perito remover duas toneladas de terra para encontrar pupas", aponta Von Zuben, que desenvolveu protocolos periciais para a tarefa de achar pupas com o mínimo esforço e o máximo resultado.

Alexandre Uruhary trabalhava no laboratório de Pujol, na UnB, quando foi chamado para auxiliar a perícia dos locais relacionados a um crime que chocou Brasília. "Chegando lá, vi que os insetos contavam uma história com muita clareza", afirma Uruhary.

Policiais procuravam uma jovem desaparecida. Acompanhando de longe a investigação, o assassino percebeu que chegavam cada vez mais perto do corpo e resolveu escondê-lo em outro lugar. Uruhary não teve dúvidas ao ver um local repleto de pupas de moscas Chrysomya, as primeiras a colonizar o corpo: era o local do crime.

Tudo indicava que o assassino não havia conseguido realizar seu intento de transladar o cadáver e o deixou pelo caminho. Larvas de besouros, que só iniciam seu trabalho mais tarde, foram achadas onde o corpo havia sido deixado, possibilitando estimar quando o criminoso retornou ao local do crime para escondê-lo.

Precisão. Patrícia Thyssen, da Unicamp, resolveu associar a entomologia forense à biologia molecular. Análises genéticas das larvas facilitariam sua identificação, que não dependeria mais de um conhecimento tão específico quanto a taxonomia de larvas de insetos, mas de um protocolo preciso e relativamente fácil de reproduzir.

Além disso, as ferramentas moleculares permitiriam diferenciar geneticamente populações de uma mesma espécie, mas que habitam lugares diferentes. Dessa forma, seria possível estimar com mais precisão o local onde aconteceu o crime, muitas vezes diferente do local onde o corpo é encontrado.

As novas tecnologias também transformam os insetos em verdadeiros registros químicos de como estava o organismo de uma pessoa no momento da sua morte. Substâncias que desapareceriam sem deixar rasto com a decomposição do corpo são preservadas nos insetos.

"É possível descobrir se a vítima de um crime usou algum tipo de droga: de cocaína a remédio para pressão", aponta Linhares. Basta analisar quimicamente as larvas ou as pupas.