É bom
refletirmos sobre a busca pessoal e a abordagem policial, pois são ações que
fazem parte do dia-a-dia da nossa profissão. É preciso conhecer as leis e a
doutrina jurídica para não extrapolarmos nossa competência legal e,
consequentemente, incorrermos em ilícitos penais.
Diante da
fundada suspeita de que uma pessoa esteja na posse de arma proibida ou de
objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for
determinada no curso de busca domiciliar, o policial pode e deve realizar a
busca pessoal, independentemente de mandado. Tal procedimento é previsto pelo
artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP).
Art. 244 - A busca pessoal
independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de
que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que
constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de
busca domiciliar.
A doutrina
interpreta extensivamente esse meio de prova (acautelatória e coercitiva) para
autorizar, além da inspeção do corpo e das vestes, a revista em tudo que
estiver na esfera de custódia do suspeito, como bolsa ou automóvel, desde que
haja fundada suspeita.
Como todo ato administrativo, a abordagem e a busca
pessoal possuem os atributos da imperatividade, coercibilidade e
autoexecutoriedade, isto é, impõe-se de forma coercitiva, independentemente de
concordância do cidadão, e são realizadas de ofício, a partir de circunstâncias
determinantes, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Assim sendo,
no momento da abordagem, cabe ao cidadão tão somente obedecer às ordens
emanadas pelo policial, sob pena de incorrer no crime de desobediência,
previsto no artigo 330 do Código Penal (CP). Se o cidadão se opor, mediante
violência ou ameaça, a ser submetido a busca pessoal, ele pratica o crime de
resistência, previsto no artigo 329 do CP. Nesse caso, o policial pode fazer
uso da força para vencer a resistência ou defender-se, consoante artigo 292 do
Código de Processo Penal (CPP).
É preciso ter
atenção à expressão "fundada suspeita". Somente é permitida a busca
pessoal diante de uma suspeita fundamentada, palpável, baseada em algo
concreto. Preste atenção na expressão correta: "Fundada suspeita", e
não "atitude suspeita". É preciso esclarecer esse ponto, porque,
segundo os doutrinadores, a suspeita é uma desconfiança ou suposição, algo
intuitivo e frágil por natureza, razão pela qual a norma exige a "fundada
suspeita", que é mais concreta e segura.
No julgamento
do habeas corpus nº 81.305, o Superior Tribunal Federal arquivou um processo
porque entendeu que a busca pessoal foi realizada sem haver fundada suspeita,
ou seja, entendeu que a prova foi obtida por meio ilícito.
(...) A
“fundada suspeita”, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros
unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade
da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de
elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de
que trajava, o paciente, um “blusão” suscetível de esconder uma arma, sob risco
de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias
individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido para
determinar-se o arquivamento do Termo.
- HC 81305, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 22-02-2002 PP-00035 EMENT VOL-02058-02 PP-00306 RTJ VOL-00182-01 PP-00284)
- HC 81305, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 22-02-2002 PP-00035 EMENT VOL-02058-02 PP-00306 RTJ VOL-00182-01 PP-00284)
Infelizmente ou felizmente, a
busca pessoal não é legalmente prevista para atividades e ações de prevenção
criminal, a exemplo de operações do tipo "Batida Policial",
"Blitz Repressiva", entre outras ações em que o cidadão é revistado
sem haver a fundada suspeita. Segundo os doutrinadores, a revista pessoal não é
um meio de prevenção ou repressão, mas um meio de prova. Tanto é assim que o
art. 244 do CPP, que trata da busca pessoal, está disposto no título “Das
Provas”. Todavia, é bom salientar que a blitz de trânsito, aquela que fiscaliza
documentos e condições do veículo, é penalmente legal, pois é prevista pelo
Código de Trânsito.
O policial
"ponta de linha" deve tomar conhecimento dessas questões legais e
doutrinárias, pois, caso seja determinado a cumprir operações do tipo
"Batida Policial", não pode ter vergonha de falar na rede de rádio ou
constar em seu relatório que não abordou ninguém, tendo-se em vista que nenhuma
pessoa foi encontrada em fundada suspeita. Se alguma pessoa estiver na fundada
suspeita de estar de posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que
constituam corpo de delito, logicamente o policial deve abordar. Não pode se
eximir do seu dever constitucional de preservar a ordem pública e garantir a
incolumidade das pessoas e do patrimônio.
O que eu quero
enfatizar é que o policial não deve produzir "números" agindo em
dissonância da lei. Ordem ilegal não se cumpre. Certamente que abordagens e
operações do tipo "Batida Policial" trazem benefícios para a
comunidade, sendo uns dos meios que mais tiram cidadãos infratores das ruas.
Sem dúvida. A minha opinião é a de que o policial deveria ter, legalmente
falando, mais liberdade para realizar abordagens e buscas pessoais. Porém, nós
policiais não podemos resolver os problemas da sociedade criando problemas para
nós mesmos. Se a lei fala que a busca pessoal somente deve ser realizada diante
de uma "fundada suspeita", cabe a nós policiais agirmos de acordo com
a norma legal, pois vivemos num Estado Democrático de Direito, onde nossas
ações são rigorosamente disciplinadas por regras jurídicas.
Para revestir
a ação policial de completa legalidade, é importante que, ao prestar um
depoimento ou redigir um boletim de
ocorrência, o policial esclareça qual o motivo de ter sido efetuada
a busca pessoal no cidadão. Veja o exemplo de alguns trechos de boletins de
ocorrência:
De acordo com
a Central de Comunicações, dois indivíduos haviam efetuado um assalto a mão
armada na Loja de Celulares X e evadido em fuga num veículo modelo Gol, de cor
marron, placa não anotada, pela Rodovia MG-010, sentido Aeroporto de Confins.
Momentos após a mensagem da Central, deparamos com um veículo modelo Gol, de
cor marron, placa YYY-0000, ocupado por dois indivíduos. Diante da fundada
suspeita de serem os autores do delito, abordamos o veículo e realizamos busca
pessoal nos ocupantes. Entretanto, nenhum objeto ilícito foi encontrado e a
vítima não reconheceu os abordados como sendo os autores do crime.
Ao
patrulharmos a Rua X, percebemos que o conduzido ficou inquieto e apreensivo ao
avistar a viatura policial. Quando nos aproximamos, ele tentou esconder em suas
vestes o objeto apreendido. Diante da fundada suspeita, o abordamos e
revistamos, sendo encontrado...
Ao
patrulharmos o local Y, conhecido como pontos de venda de entorpecentes, sentem
forte odor de maconha, razão pela qual decidimos abordar e revistar os cidadãos
que ali se encontravam. Durante busca pessoal nos circunstantes, foi encontrado
com o conduzido...
No caso de busca pessoal em
mulheres, o dispositivo legal que trata do assunto é bem claro:
Art. 249 do
Código de Processo Penal - A busca em mulher será feita por outra mulher, se
não importar retardamento ou prejuízo da diligência.
Sempre que possível, a busca em
mulheres deve ser realizada por uma policial (sexo feminino). Contudo, para não
retardar ou prejudicar a diligência, o policial (sexo masculino) pode executar
a busca, com o devido respeito e discrição, preferencialmente em lugar
reservado, fora do alcance da curiosidade popular. Durante meu curso de
formação, ensinaram-me que, havendo outra mulher por perto, o policial deve
convidá-la ou determiná-la a proceder à revista na suspeita, orientando-a sobre
como efetuar a busca. Na busca em mulheres, o requisito da fundada suspeita
também é imprescindível.
Para
finalizar, reafirmo que abordagens com ou sem fundada suspeita são um dos meios
que mais tiram criminosos das ruas. Portanto, não deixe de abordar, mas o faça
de maneira criteriosa, consciente e, ao redigir o BO ou prestar um depoimento,
fundamente o motivo de ter submetido o cidadão à busca pessoal. Vale salientar
que já existe até cartilha dos
Direitos Humanos ensinando como denunciar supostos e hipotéticos abusos
praticados por policiais.
Por - Jota Ricardo
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