Pouco mais de uma semana depois do
anúncio de que os policiais poderão adquirir armas de calibres mais eficientes
para sua defesa, a ocorrência de uma chacina em São Paulo traz à tona um debate
em sentido completamente oposto, com o reaparecimento da proposta de se proibir
aos integrantes das forças de segurança pública o porte de armas fora do
serviço, ou mesmo possuírem armas particulares. Segundo os defensores da ideia,
a medida diminuiria as armas em circulação e aliviaria a investida de
criminosos contra os policiais, cujo objetivo seria, justamente, o roubo desses
equipamentos.
A polêmica sobre o assunto é grande
até mesmo no meio policial, estando longe um consenso sobre o que seria mais
adequado, se a ampliação do direito ao porte ou a restrição a este. Com
reconhecido histórico de atuação em defesa da ampliação do acesso às armas de
fogo, a associação civil Movimento Viva Brasil não tem dúvida sobre o caminho a
seguir: o da liberação.
Indagado sobre o risco de policiais
andarem armados fora do expediente, o pesquisador em segurança pública e
diretor da entidade, Fabricio Rebelo, rechaçou esta justificativa. “O risco
está, justamente, em deixar o policial desarmado fora do expediente, sem chance
de reação contra a investida de criminosos. É preciso ter-se em mente que um
policial não é policial apenas durante seu horário de serviço e que, fora dele,
se torna mais vulnerável do que o cidadão comum, já que paira contra si o
constante risco de ser alvo de vingança ou mesmo ataque para desestabilização
da segurança pública, como temos visto com frequência nos últimos meses em São
Paulo”, alega.
Para Rebelo, o objetivo dos ataques
não seria o roubo de armas dos policiais, mas o ataque em si, tirando a vida
dos profissionais de segurança pública, o que se provaria pela ausência da
subtração de suas armas após os homicídios. “Não há nem mesmo a necessidade de
que o crime organizado se abasteça desta forma, com o enfrentamento, já que o
comércio ilegal de armas é amplo, complexo e organizado, tendo por fonte
principal o tráfico internacional, de onde vêm as armas que se costuma ver em
mãos dos criminosos, como fuzis, metralhadoras e pistolas em calibres cuja
circulação legal no país simplesmente não é permitida, sequer entre as forças
de segurança pública, como o 9 mm.”
O pesquisador aponta como fundamento
para a não necessidade do enfrentamento o baixo custo das armas no mercado
ilegal, onde são praticados preços, em média, quatro vezes menores do que no
comércio legalizado. “Hoje em dia, o popular revólver .38 é comumente achado de
forma ilegal por R$300,00 ou R$500,00, mas vendido nas poucas lojas
especializadas que ainda subsistem por R$ 2mil ou mais, e isso após uma
burocracia enorme. O mesmo ocorre com as pistolas, que ilegalmente variam de
R$1mil a R$2,5mil e que não saem de uma loja por menos de R$4mil e, ainda
assim, em calibres que nem interessam aos criminosos, já que em lojas o máximo
calibre à venda é o diminuto .380. Portanto, com a grande oferta destes
artefatos no mercado ilegal e seu baixo custo, não há motivo para tentarem
adquirir com o risco do enfrentamento contra policiais”.
De acordo com o diretor da entidade,
o Movimento Viva Brasil é completamente contrário às propostas de restrição e
está preparado para combatê-las, ainda que não se tenha apresentado, objetivamente,
um projeto de lei para sua imposição. Trata-se, segundo ele, de “uma questão
antiga, um desejo incontido de ONGs desarmamentistas, as mesmas que querem
desarmar o cidadão, mas sem nenhuma justificativa além da pura ideologia que as
move”. Além disso, de acordo com a entidade, essa proposta caminha na contramão
do que de mais concreto se tem atualmente em termos de proposta legislativa
sobre o assunto, identificada como o Projeto de Lei 3.722/12. “É uma proposta
que substitui o atual estatuto do desarmamento e institui um novo sistema de
regulamentação de armas de fogo e munições, mais estruturado, eficiente e
adequado à realidade brasileira, sobretudo quanto ao resultado do referendo de
2005, em que a sociedade optou por preservar o comércio de armas”, afirma o
diretor.
Rebelo esclarece que, pelo referido
projeto de lei, o porte de arma dos policiais permanece assegurado em todo o
território nacional, seja para as armas institucionais, seja para as armas
particulares registradas em seu nome. “O projeto torna o porte de arma um
direito de todo cidadão que satisfaça critérios objetivos, não se justificando
que restrições sejam impostas justamente para quem, muito mais do que um
direito, andar armado é uma obrigação, até porque, antes de serem policiais,
todos eles são cidadãos”, prossegue, lamentando a ainda falta de amplo
conhecimento sobre o texto: “por se tratar de um projeto extenso, criando todo
um novo sistema de regulamentação, ainda há muita especulação sobre ele, sendo
poucos os que, de fato, se dedicaram à sua leitura, até mesmo no meio policial,
onde já surgiu até o boato de que se estaria acabando com porte de policiais,
justamente o oposto do que está no projeto”.
O pesquisador finaliza enfatizando a
importância da permissão ao porte de armas para o cidadão, até mesmo diante de
seus reflexos nas forças policiais, para que questões como a agora debatida, de
proibir o porte de arma fora de serviço, não ganhem força. “Essa discussão só
existe porque a regra é a proibição do porte de arma para o cidadão, na qual se
tenta enquadrar policiais fora do horário de serviço, mas, a partir do momento
em que a regra for a permissão ao porte, uma discussão assim não fará qualquer
sentido. Pelo sistema atual, embora os policiais possam possuir e portar armas
enquanto investidos na carreira, perdem essa possibilidade se deixarem de ser
policiais, direito que já não alcança seus familiares, atualmente sem meios de
se proteger, mas que estão igualmente sujeitos a risco”, ressalta Rebelo.
Ao contrário das ideias restritivas
ao porte de armas por policiais fora de serviço, a chamada Nova Lei de Controle
de Armas já está em tramitação no Congresso, atualmente na Comissão de Relações
Exteriores e de Defesa Nacional, onde aguarda parecer.
Por Mariana Nascimento